segunda-feira, 6 de setembro de 2010

LIVROS E ESCRITORES

LIVROS E EDITORES
António Lobo Antunes
(Retirado da VISÃO)


[Em Portugal] a maior parte dos editores ou são ignorantes ou são vigaristas, oferecendo ao público pacotilha impressa: um bom editor, tal como um bom leitor, é mais raro que um bom livro

A cabeça de um escritor é um sítio inabitável, cheio de sombras negras que se devoram umas às outras, remorsos, fantasmas, dores, insignificâncias em que não reparamos e ele repara, sensações, luzes, criaturas sem nexo. Usam o papel para ordenar este caos, vertebrar o desespero, dar ao ilógico uma coerência lógica e mostrar o nosso retrato autêntico em cacos de espelho, fundos de poço trémulos, superfícies convexas em que temos de emagrecer por nossa conta. Não se pode estender a mão a quem lê, tem de se caminhar sozinho num nevoeiro aparente em que, a pouco e pouco, as coisas se arrumam nos seus lugares. Em nenhum bom livro há personagens e história: quando muito aparência de personagens e história, usadas para tornar mais clara a vertigem do que somos. Tudo se passa no interior do interior e portanto não devia haver cursos de escrita criativa
(um paradoxo nos termos)
mas de leitura criativa. Conheço menos bons escritores do que bons leitores, um bom leitor é uma espécie muito rara. Um autor do século dezanove dedicava os seus trabalhos aos felizes poucos, expressão roubada a Shakespeare
(we few, we happy few, we band of brothers)
capazes de nadarem ao seu lado em águas muito escuras e de regressarem à tona de mãos cheias. Um livro é mais uma orelha que uma voz onde, no fim de contas, é o bom leitor quem conversa. O livro escuta. As páginas são ouvidos pacientes que nos guiam através da liberdade do silêncio, onde as nossas frases se reflectem e regressam com um sentido novo. O bom leitor só recebe na medida em que dá e a qualidade da obra depende desta troca constante, do fluxo e refluxo das emoções partilhadas.
Temos de ser um agente activo do livro, fazê-lo nosso até que se torne, como queria Rilke de quem não sou admirador, excepto em raras passagens das Elegias, sangue, olhar e gesto. Se não for assim é uma comédia de enganos, um passatempo inócuo como quase tudo o que em Portugal se impinge, porque a maior parte dos editores ou são ignorantes ou são vigaristas, oferecendo ao público pacotilha impressa: um bom editor, tal como um bom leitor, é mais raro que um bom livro.
Uma editora comercialmente bem sucedida é má, ou então tem de fazer compromissos. A casa alemã onde estou, por exemplo, possui um catálogo honesto, dividido em duas partes, literatura e best-sellers. O argumento temos de pôr as pessoas a ler é idiota: o que temos é de ensinar as pessoas a ler. Até Lenine compreendia isto, ao afirmar que a arte não tem de descer ao povo, é o povo que tem de subir à arte. Claro que não é apenas um problema português, é um problema universal. Pasmo com as listas dos tops:
ficção, dizem elas, quando a ficção não existe a não ser nas obras rasteiras. Se me dissessem que escrevia ficção sentia-me insultado: ficção que tolice, é o mundo inteiro que a gente mete entre as capas de um livro.
Vende menos? Decerto, mas há-de vender sempre. Se tivermos lado a lado, à nossa frente, Camões e o jornal, a tendência imediata é pegar no jornal, mas o jornal desaparece amanhã e Camões fica. Chamo jornalismo, explicava Gide, ao que é menos interessante amanhã do que hoje.
E depois a Arte não é um desporto de competição: o editor que ponha numa cinta, por exemplo, cem mil exemplares vendidos, ou julga falar de sabonetes ou não é um editor. Se o livro for bom há-de vender muito mais do que isso: quanto terá vendido Ovídio até hoje? É apenas uma questão de tempo, porque os bons leitores existirão sempre, ainda que poucos. O que me aborrece na Arte são os comerciantes que giram em volta dela, sem lhe tocar, porque tiram o seu alimento do efémero. Faz pouco comecei uma biblioteca na empresa onde estou.
Tolstoi foi o primeiro: ao receber o livro impresso reparei que as últimas três páginas eram propaganda a lixo. Como se pode, no fim de um livro de Tolstoi, fazer aquilo? Desonestidade? Ignorância? Não faço ideia de quem é o responsável mas devia ter sido fuzilado no berço: Tolstoi de mistura com livros de cozinha e ficções. Recomecei a colecção: até agora não repetiram a indignidade. Pergunta:
­Como vão os livros da biblioteca?
Resposta:
Pingam
e ainda bem que pingam. Se vendessem às grosas é que eu ficava alarmado. Os bons livros são
para pingar eternidade fora: o Mondego começa gota a gota; a água suja basta virar o balde e encharca-nos. A água do balde acaba logo. O Mondego não tem princípio nem fim.
­Pingam:
e que maravilha pingarem. À força de pingarem hão-de engrossar irrestivelmente, enquanto os baldes se enferrujam, amolgados, num canto do jardim.
E o que interessa
(volto à Gide)
o amanhã? A gente
Colocação de
JBS

domingo, 5 de setembro de 2010

O AMOR NÃO SE ADIA

O AMOR NÃO SE ADIA

NORMALMENTE, as pessoas que eu conheço, costumam dizer, que, entre, por exemplo 100 pessoas próximas, 98 são conhecidos e apenas 2 são amigos. Para mim não é assim. No meu comportamento social, as pessoas passam logo do patamar zero ou dos desconhecidos para a categoria de amigos. Acho que temos de fazer este esforço e assumir o respectivo risco resultante desta atitude, procurando aproximar as pessoas, para que, no fundamental, as ditas, tomem consciência dos reflexos do seu comportamento social individual no comportamento do colectivo, uma vez que é deste comportamento que a briga resulta, surgindo aquilo a que pomposamente designamos por desigualdades sociais. Mas, devemos dizer, é assim porque uns impõem e outros deixam que tal aconteça.
E não deveríamos deixar que tal acontecesse, devendo ser frontais. O terreno onde costumo e gosto de actuar é o da amizade e a minha charrua é a solidariedade, entendendo eu que, quem tem um espaço acessível para emitir uma opinião, que, por sua vez, tenha possibilidades de chegar a um público local, regional ou nacional, se deve manifestar.
E aqui estou nessa batalha infindável de reunificar as tropas, ou seja, promover o debate democrático, em que cada um, competentemente, defende a sua dama com argumentos válidos e rigorosos. Mas, com esta atitude, não quero dizer que seja o intocável. Nada disso. Venho aqui fazer um apelo para que as pessoas peguem na sua bagagem e venham a terreiro expor os seus pontos de vista.
Peguei na crónica de hoje por este lado, porquanto ouvi na TV na semana passada, um responsável da política nacional vir dizer, que nós, portugueses (em minha opinião mais eles, os que têm essa responsabilidade) tínhamos deixado chegar as coisas do ambiente ao ponto em que chegaram. Efectivamente algumas pessoas já se assustaram com a situação, a tal ponto, que o referido senhor veio dizer que não estivemos atentos. Mas deveríamos ter estado, porque o planeta Terra, é, em minha opinião, o nosso único bem patrimonial que merece ser estimado. O outro é causa de injustiças.
Em contrapartida, temos o património cultural e é também aí que eu gosto de Olhão Os olhanenses têm orgulho não só na sua equipa de futebol de 1923 que foi campeão nacional e onde pela primeira vez foram entregues aos vencedores e vencidos medalhas comemorativas do acontecimento, com Tamanqueiro e companhia, mas também nos seus intelectuais com provas dadas, desde João Lúcio a Fernando Lopes passando por Diamantino Piloto, Zé da Mónica e muitos, muitos outros.
Malta de outros tempos.
E destes tempos, os actuais, que estão a decorrer, não quero deixar no esquecimento, essa figura de intelectual de mérito, que é o olhanense José Honrado Miranda, jornalista de fibra, que ama a sua cidade e escreveu uma crítica literária sobre o meu livro Lucidez de Pensamento, que eu gostei.
O título desta crónica, é um verso do poeta António Ramos Rosa. Fui a reboque dele para deixar um agradecimento a José Honrado, porque à semelhança do amor, a amizade também não se adia.
Obrigado senhor Miranda.
E é por tudo isto que eu gosto de OLHÃO
JBS

sábado, 4 de setembro de 2010

EU GOSTO DE OLHÃO

E TU, Ó CIDADE

NÃO! …


Não faças isso rapaz, não estudas nada ó moço, ai este rapaz que não sabe fazer nada, o que vai ser de ti meu filho. Não, não vou por aí… escreveu Régio no seu Cântico Negro.

A palavra Não, citada pela minha mãe quando queria incentivar-me para o estudo ou para fazer qualquer coisa, tem a mesma dignidade que no verso de Régio. A sua sonoridade é imperial, exige com suavidade, com elegância e carinho até.

A palavra Não é a mais democrática entre todas, porque é simultaneamente clara e poderosa. Mesmo quando ama. A si e aos outros que a utilizam. Nem todos gostam dela porque é uma palavra sábia e exige de quem a pronuncia, muita coragem e saber.

Não se pode, não se deve subestimar a palavra nem o seu significado. Não, não é apenas o contrário de sim; é mais forte em todos os sentidos. A palavra Não, é uma companheira inseparável da dúvida, discute-se muitas vezes, e, se cai no decorrer da luta, rapidamente se levanta. É uma grande palavra, gosto dela, dialogamos bastante, tiro as minhas conclusões e ela, palavra, também.

Talvez que o seu parente mais próximo seja a negação. Se bem que negar tenha força mas, o Não é tudo isso e um pouco mais. É o Não recusa. Este é Não puro.

E é este não que quero dizer ao Mário Proença, um não a querer dizer, não posso dizer-te não à colaboração que me pediste. Falo do Mário Proença a quem dediquei um soneto, no livro de poesia que vou publicar em breve, porque é um homem amigo e solidário.

Aí vai o soneto que lhe dediquei:

MEU CARO AMIGO,
Ao Director do jornal, “O OLHANENSE”,

Muito obrigado por aquilo que diz
Acerca do que escrevi para o jornal
Eu também gostei daquilo que fiz
Pois, para mim OLHÃO é especial

Sou de Faro mas de Olhão tenho
Apreço, simpatia e grande doença
Pela amizade que à cidade mantenho
E pela consideração ao Mário Proença.

Sou do tempo de Escola do Poeira
Que com o Reina os metia na algibeira
Naquelas jogatanas com o BENFICA

Senhor Director aceite por favor
Os cumprimentos deste escrevinhador
Que com os seus encómios fica....

João Brito Sousa